Minha vida em duas rodas: a saga de magali, a magrela
Texto: Lígia Benevides
(http://poizentao.blogspot.com/2010/05/bicicletada-de-aniversario.html)
Desde o meu primeiro dia de vida em Brasília, o que eu mais queria nesta vida era ter uma bicicleta para saracotear por aí pedalando. Assim que consegui a minha magrela, preta e amarela, a quem carinhosamente chamo de Magali, comecei a pedalar por aí. Inicialmente, meus trajetos eram modestos: UnB e imediações. Aos poucos, sem perceber, comecei a diminuir o tempo que eu gastava pra ir de um lugar a outro: meu condicionamento físico agradeceu as pedaladas tornando-se melhor e mais resistente.
Não é fácil usar a bicicleta como meio de transporte. Às vezes a distância é muito grande, às vezes está muito ensolarado, às vezes muito frio, às vezes chove. Motoristas que acreditam piamente que as vias asfaltadas são para seu uso exclusivo atrapalham demais a vida do bicicletista. Eles buzinam, xingam, passam a menos de 30cm de distância de você, enfim, agem como dementes. Mas a malandragem tem paciência, sabe esperar. Daqui a uns anos veremos várias ruas das cidades fechadas aos carros e permitidas somente às bicicletas e aos pedestres. Esse dia há de chegar.
Com o tempo fui ficando mais esperta com relação aos caminhos que poderia pegar. Parei de andar nas fedidas passarelas de Brasília para me arriscar nas tesourinhas. Na primeira vez, achei que fosse infartar, tamanha a quantidade de adrenalina correndo velozmente pelo meu sangue. Gritei um UHU que ecoou viaduto adentro, e saí viva e feliz, cortando as asinhas da cidade pela tesourinha (agora eu entendo esse “apelido”). Hoje em dia, já sei quais são as melhores tesourinhas, as mais íngremes, as mais conservadas, as mais vazias. Isso contribui muito para minha mobilidade biciclística.
Há umas semanas atrás um primo meu que mora há muitos anos em Brasília, mas que não anda de bicicleta por aí, revelou sua vontade de começar a pedalar, mas acrescentou o medo do perigo. O perigo não está em andar de bicicleta. O perigo está nos motoristas estúpidos, sem educação, egoístas, que não satisfeitos com as largas vias da cidade, ameaçam com sua máquina de correr a vida das pessoas, por cinco segundo a mais que terão que esperar. As pessoas falam de paz, de amor, de tranqüilidade, mas nada disso passa pela cabeça delas quando estão dirigindo. A “sociedade do automóvel” é egoísta demais para ter o entendimento de que uma pessoa em uma bicicleta é apenas uma pessoa em uma bicicleta, e não um criminoso, um sacana, que está ali só pra te atrapalhar.
Não consegui incentivar meu primo. Eu me garanto, mas se algo acontecesse a ele, eu me sentiria mal pra sempre.
Os motoristas xingam os pedestres quando estes andam num passo normal pela faixa. Muitos, eu já ouvi, dizem que “a pessoa pode até passar pela faixa, mas tinha que acelerar o passo”. Eu não vou nem comentar. Aliás, eu vou sim. Compare a extensão de uma rua com a extensão de uma faixa de pedestres. A faixa deve ocupar cerca de 0,001% da extensão de toda a rua, e ainda assim, o pedestre tem que “andar rápido”. Tenho preguiça da falta de consciência da sociedade brasileira. Seremos uma sociedade sem solução?
Há um ano um grupo de jovens que usam a bicicleta como meio de transporte fez uma placa onde estava escrito “Praça das Bicicletas”. Penduraram-na em um poste que ilumina o Conjunto Cultural da República, em Brasília (DF). É uma imensa quadra, onde existe uma biblioteca, que aos poucos toma vida, e um museu, que abriga exposições, exibições de filmes, palestras e afins. Ao redor, um vazio preenchido por poucos bancos e muito cimento e concreto, convidativo aos skatistas, patinadores e ciclistas. Pendurada a placa, ali agora é a Praça das Bicicletas, que abriga um paraciclo e muita tinta colorida no chão, com desenhos de bicicletas.
Depois de amanhã, dia 28, às 19h, comemora-se um ano dessa ação afirmativa dos bicicleteiros de Brasília, com uma Bicicletada de Aniversário comemorando 1 ano da inauguração da Praça das Bicicletas. Leve sua bicicleta, apitos, balões e, principalmente, sua alegria e disposição. É preciso que as pessoas respeitem a diversidade também no trânsito. Há espaço para todos. Eu escolho a bicicleta, o vento na cara, os cheiros que só sente quem respira fundo, o suor, o calor e a vida.
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