quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

São Paulo precisaria de 125 avenidas Paulistas por ano para absorver carros novos, afirma especialista

“Estamos correndo atrás do prejuízo”. A afirmação é do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Candido Malta Campos Filho. Nascido em 1936, este paulistano se dedica há mais de 30 anos na solução dos problemas da maior cidade do País.


  • AE
    Candido Malta defende SP sobre trilhos

    Candido Malta defende SP sobre trilhos

    Candido Malta é autor de “Cidades brasileiras: seu planejamento ou o caos” e “Reinvente seu bairro: caminhos para você participar do planejamento da sua cidade”. Com mestrado em “City and Regional Planning” pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, foi secretário de Planejamento de São Paulo de 1976 a 1981, na gestão de Olavo Setubal e Reynaldo Barros.

    Em entrevista ao iG, destaca que o desafio é fazer São Paulo não parar. “Para isso a solução principal é o metrô”. O professor também está convencido de que, além do metrô, o pedágio urbano faz parte da solução para São Paulo. “Assegurar o direito universal do carro é impossível. Só tem duas soluções: ou você reduz pelo preço ou por sorteio. Vamos sortear quem pode usar carro?”

    Leia a seguir entrevista concedida ao iG.

    iG - Qual a situação hoje do transporte público nas metrópoles?




    AE
    Avenida Paulista tem cerca de 3 km de extensão
    Paulista tem 2,8 km de extensão
    Candido Malta -
    Vai piorando a cada dia porque a frota automobilística e o uso dela aumentam. Com esse estímulo dado à indústria automobilística, o número de carros cadastrados a mais por dia é da ordem de mil, sendo que deles, ¼ anda todo dia. São 250 carros a mais todo dia, em média. Para os 600 mil veículos no ano, precisaria de 125 novas avenidas Paulistas. Isso para os carros parados. Andando precisaria mais.

    iG - É algo inviável?

    Candido Malta - Não tem como atender a essa demanda. Então, como política pública, toda vez que um governante acena com a possibilidade de dar esperança de que vai melhorar com a tal obra viária é um desserviço.

    iG - A ampliação da Marginal Tietê, em SP, é um desserviço?

    Candido Malta - Eu entendo que foi um erro. São R$ 2,4 bilhões que estão sendo usados para manter a esperança. Melhora por poucos meses, pois aquilo que melhorou é rapidamente absorvido.

    iG - Qual seria a solução?

    Candido Malta - É transporte coletivo. Todo mundo diz isso. É o metrô.

    iG - Mas é só o metrô?

    Candido Malta - O metrô é a principal, mas não é só metrô. A nossa malha é muito pequena diante do que deveria ser. Eu participei de um trabalho em que são montados cenários futuros, e calcula qual é a correlação entre a oferta de sistema de circulação e o zoneamento da cidade. É muito importante ter a coerência entre capacidade de transporte de circulação e a distribuição das atividades no território, que é a lei de zoneamento. Esse cálculo ainda não está adotado, porque ele é baseado em pesquisa de origem e destino de tráfego, que são pesquisas renovadas a cada 10 anos, elas dão origem aos trilhos. Essa pesquisa acabou de ser feita em 2007, mas ainda não pudemos usar nesse trabalho.

    AE
    Trânsito, em 2009, na avenida 23 de Maio, em São Paulo

    Trânsito, em 2009, na avenida 23 de Maio, em São Paulo

    iG - Como a população opta pelo transporte coletivo?

    Candido Malta - É a qualidade de um versus a qualidade do outro. Essa comparação tem tendido a favor do automóvel. Porém, os congestionamentos são a reposta negativa dessa preferência.

    iG - O dono do automóvel também está insatisfeito.

    Candido Malta - Exatamente. Por isso é preciso tirar a esperança do motorista. Precisa colocar na cabeça do cidadão que não dá e assim vai criar um movimento a favor do transporte coletivo.

    iG - O senhor acredita também em medidas restritivas, além do uso adequado de ocupação do solo e transporte confiável já citados?

    Candido Malta - Se você fizer um plebiscito hoje, estimo que vai ganhar a restrição crescente dos automóveis. Um terço da população anda a pé, um terço anda de transporte coletivo e um terço, de carro. Por esse levantamento, 2/3 são a favor do transporte coletivo, em princípio.

    iG - Quais seriam as restrições mais eficientes?

    Candido Malta - Temos o rodízio e o pedágio urbano. O rodízio pode ser driblado, com outro carro você fica fora do rodízio. Com pedágio você vai ao mesmo tempo desestimular o uso do carro e ter dinheiro para investir no transporte coletivo. Em uma simulação, para um pedágio de R$ 2, você terá uma redução 30% de carros até 2012 e R$ 600 milhões de arrecadação, o que dá 3 km de metrô a mais por ano. Eu acho inteligente.

    iG - Mas o brasileiro não quer saber de mais uma conta. Falar em pedágio não agrada.

    Candido Malta - Para quem vai pagar. Para os demais, não. E os demais são 2/3. E tem muita gente que usa carro e é favorável.

    iG - Mas é antipopular...

    Candido Malta - Mas assegurar o direito do uso universal do carro é impossível. E só tem duas soluções: ou você reduz pelo preço ou por sorteio. Vamos sortear quem pode usar carro?

    iG - Parece que o governo vai na contramão, incentivando o uso de carros, com redução de IPI, financiamentos.

    Candido Malta - Eu não sou contra ter carro. É bom para indústria automobilística, para economia. Mas deixa em casa. Como na Europa, onde usam o carro nas férias para passear.

    iG - Mas eles podem fazer isso porque têm um transporte público de qualidade.

    Candido Malta - A questão é esta. Tem que ter o transporte de qualidade.

    AE
    Passageiros se espremem em plataforma do metrô
    Passageiros se espremem no metrô
    iG - Como ter o transporte público de qualidade?

    Candido Malta - Melhorando a previsibilidade dos ônibus. Em Berlim, por exemplo, você encontra ônibus com qualidade. Tem uma condição de oferta de ônibus que está dependendo de uma equação que é a lucratividade das empresas. Nessa lucratividade é que entra uma resistência dos empresários em melhorar a qualidade dos serviços. Até por isso o metrô passa a ser uma solução mais importante porque é uma forma de você não enfrentar as empresas de ônibus.

    iG - Qual cidade do mundo seria exemplo?

    Candido Malta - O coeficiente de aproveitamento dos terrenos de Paris é quatro vezes e tem uma maravilhosa malha que faz com que as linhas tenham uma distância média entre elas de apenas 500 metros. Eles têm a malha estreita porque a densidade é alta. Em São Paulo, grande parte dos bairros tem densidade baixa, que não permite ter metrô. Nossa malha é aberta, não é confortável, você não consegue ir a pé para o metrô.

    iG - E como resolver?

    Candido Malta - É ter uma malha de micro-ônibus, completando a malha do metrô.

    iG - Medidas mais radicais seriam bem-vindas? Fazer como Manhattan e não ter estacionamentos.

    Candido Malta - Como secretário do Setubal implementei isso no centro histórico. Agora vem o movimento Viva o Centro com a tese oposta, dizendo que é preciso fazer garagem, fazer os carros andarem pelo centro. Veja, há pensamentos que ainda entendem que o carro vitaliza a cidade. Enquanto é ele que degrada. E você se isola na bolha do seu carro. Hoje, em São Paulo a proporção é de 1,2 pessoa por automóvel.

    iG - Como o senhor avalia o plano de expansão do governo?

    Candido Malta - Ele é bom, mas insuficiente, no sentido que a densidade da malha de qualidade tem que ser mais sobre trilhos e menos sobre pneus. Na revisão do Plano Diretor, esse é um elemento chave. Hoje o Plano Diretor está confuso. Além disso, a política de habitação tem de articular com a política de emprego. É preciso criar centralidades regionais.

    iG - Se nada for feito, São Paulo para?

    Candido Malta - Para. Daqui 4 ou 5 anos. Está previsto um crescimento de 5% do PIB em 2010. Isso aumenta a velocidade da paralisia. Hoje o desafio é fazer com que São Paulo não pare.

    AE
    Trânsito registrado em São Paulo, em 1972, em um dia de chuva

    Trânsito registrado em São Paulo, em 1972, em um dia de chuva

    iG - O problema no transporte público é antigo?

    Candido Malta - Há 30 anos os desafios eram os mesmos. Eram menores, os problemas eram mais brandos, mas eram os mesmos. Aumentaram de proporção. A solução cresce mais devagar que o problema. Estamos correndo atrás do prejuízo. E ainda não conseguimos virar o jogo porque não conseguimos dimensionar o problema de tempo e dinheiro.

    iG - Por quê?

    Candido Malta - A classe política funciona na base clientelista. Você atua por setores e atende aquela demanda específica que dará o voto porque você encaminhou aquela solução específica.

    iG - Mas a solução do transporte público não daria mais votos?

    Candido Malta - Sim, mas é mais difícil especificar. Você ter uma clientela específica que te dê o voto correspondente. Essa clientela mais miúda, digamos, que transforma deputado em despachante.

    iG - Mas resolver o transporte não transformaria o político em presidente. O cliente é grande?

    Candido Malta - O Faria Lima seguiu esse caminho. Ele fez isso e fez um grande plano de metrô e vias expressas. Isso criou uma esperança na opinião pública. Ele era prefeito de São Paulo e foi colocado como candidato à presidência da República. E morreu de enfarte.

    iG - A ineficiência do transporte público pode contribuir para o fracasso da Copa e Olimpíada no Brasil?

    Candido Malta - Talvez o problema inverso. Eles super dimensionem. Primeiro, o interesse das empreiteiras. Depois, por medo de errar, coloquem uma infraestrutura maior do que precisa. A tendência é mais o desperdício do que o oposto, porque errar para menos seria o fracasso.



    Clique na imagem e veja os 10 desafios no transporte público
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