O meu post desta semana falava de dar espaço nas cidades às bicicletas, mencionando a ciclofaixa dominical de São Paulo, que na minha opinião tem uma porção de equívocos. Os comentários me fizeram ver que esse assunto precisa ser aprofundado. Resolvi voltar a postar hoje sobre como uma cidade pode convidar as bicicletas para ajudar a melhorar o trânsito. Um bom jeito de abordar o tema é dando uma olhada em exemplos internacionais. Vejamos por exemplo San Francisco, nos Estados Unidos. Abaixo, um pedacinho do mapa ciclístico da cidade:
As linhas verdes são ciclovias (ruas apenas para bicicleta, onde carros não entram) e as cor de laranja são ciclofaixas (faixas demarcadas no chão, exclusivas para ciclistas). Repare como não são muitas. Mas nem só de ciclovias e ciclofaixas se faz um paraíso ciclístico. As linhas azuis são ruas largas onde carros e bicicletas compartilham o mesmo espaço. Não há lá separação física entre carros e bicicletas, apenas uma sinalização ostensiva para que os motoristas saibam que aquele lugar é também para se pedalar. As linhas azuis pontilhadas são ruas estreitas compartilhadas entre carros e bicicletas. Motorista que entra lá sabe que, se houver uma bike na frente dele, ele tem que manter distância e não pode ultrapassar.
Repare como a combinação dessas cores todas forma um grid – um quadriculado. Com isso, dá para uma pessoa sair de qualquer lugar da cidade e chegar em qualquer outro lugar – não tem a única opção de seguir o traçado decidido pela prefeitura. É isso que eu chamo de infraestrutura ciclística. É isso que São Paulo poderia começar a construir – inaugurando algumas raras ciclofaixas em ruas movimentadas, mas principalmente sinalizando o compartilhamento em ruas tranquilas, sem trânsito. San Francisco está também cheia de placas como essas, para que os ciclistas se orientem no grid (cada via é numerada):
Se você sair de San Francisco e cruzar a ponte, vai parar em Berkeley, do outro lado da baía. Berkeley vai ainda mais longe na sofisticação de sua rede. Veja um trechinho do mapa:
De novo há raras ciclovias (azul), mais frequentes ciclofaixas (violeta) e muitas vias tranquilas compartilhadas (marrom). A diferença é que lá também há os chamados “bike boulevards”, que são os pontilhados. Os boulevards são vias interrompidas por canteiros de plantas. Os carros não podem passar de um quarteirão para o outro – apenas o trânsito local entra. Ou seja, essas vias são preferenciais para bicicletas, carros só entram tomando muito cuidado e na hora de estacionar.
Mas estamos falando da Califórnia, terra que inventou a mountain bike e que fez do bicho grilismo um estilo de vida. Certamente Nova York, com seu trânsito horroroso, não é tão amigável. Veja só:
Verde é ciclovia, azul é ciclofaixa, violeta é via compartilhada. Realmente há menos do que em San Francisco, mas há também um grid, uma infraestrutura – incompleta, é verdade, mas um bom começo.
Que tal Paris?
Mesma lógica. Uma coisa interessante, em Paris, é que onde não há ciclovias ou ciclofaixas, a faixa de ônibus é compartilhada com as bicicletas. E os ônibus respeitam. Mantêm distância das bicicletas e não ultrapassam, mesmo que seja um velhinho pedalando devagar com uma baguete debaixo do braço.
Mas a Europa é covardia. Cidades como Barcelona, e principalmente Amsterdam, são o sonho dos ciclistas do mundo. Que tal então buscar exemplos mais perto de nós, na América do Sul. Veja Bogotá:
A infraestrutura é bem menor que a de Paris, ou mesmo a de Nova York. Mas há também um grid quadriculadinho que chega em toda parte da cidade.
É isso que São Paulo podia estar começando a fazer. Em vez de investir apenas em obras de grande visibilidade (votos!), realmente planejar uma infraestrutura recheada de soluções discretas. Desenhar pela cidade um grid bem aberto, com quadrados bem grandes – poucas vias onde muitas bicicletas se concentrariam (por definição, mais bicicletas significa mais segurança para os ciclistas). E aí ir aos poucos fazendo mais linhas e deixando os quadrados menores.
E as vias são só um pedacinho da história, tem muito mais a fazer: bicicletários nas calçadas em vias movimentadas, vagões de metrô adaptados para bikes (um por trem), racks de bicicleta nos ônibus e, fundamental, uma imensa campanha de conscientização. Menos marketing, mais educação.
Se eu fosse o Bradesco Seguros, o patrocinador da ciclofaixa, estaria agora mesmo telefonando para a prefeitura para discutir como transformar essa tímida boa intenção em um avanço real e permanente. Bom marketing é mais que investir em imagem – é efetivamente melhorar a vida das pessoas. Isso gera uma gratidão que não tem preço.
Por Denis Russo Burgierman
http://veja.abril.com.br/blog/denis-russo/cidade/as-cidades-e-as-bicicletas/
Vou chorar.
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