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Marginal Pinheiros travada em São Paulo |
O Brasil, segundo a média de previsões coletadas pelo Banco Central para a expansão do PIB (Produto Interno Bruto), vai crescer 5% em 2010. A turbinada nas projeções dos últimos meses, gerada especialmente pela volta do investimento e consumo, dá o tom no desafio que as cidades terão em relação ao transporte público. “O crescimento aumenta a velocidade da paralisia no trânsito. E hoje o desafio é fazer com que as cidades não parem”, afirma o professor da USP Candido Malta Campos Filho, especialista em urbanismo e arquitetura, em entrevista ao iG.
O fato é que o aumento da renda da população, associado a um crescimento desordenado nas metrópoles, pode travar ainda mais a mobilidade nas cidades. Com dinheiro no bolso e incentivos à compra de automóveis, certamente a frota nas ruas aumentará. “O carro tem um atrativo forte, não é apenas um meio de locomoção. O carro representa o sucesso profissional, é uma questão de status, de individualidade”, diz o professor Carlos Alberto Guimarães, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp.
Números do Denatran revelam esse crescimento. Até outubro de 2009, circulavam no País 58,5 milhões de veículos. Em 1999, a frota existente era de 27,1 milhões. De acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), em setembro, último mês de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), as vendas de veículos tiveram recorde mensal, com 308.713 unidades.
"Com esse estímulo dado à indústria automobilística, o número de carros cadastrados a mais por dia é da ordem de mil, apenas em São Paulo. Deste total, ¼ anda todo dia pelas ruas. Ou seja, são 250 carros a mais todo dia, em média. Se colocar esses carros em fila, em um ano, para os 600 mil veículos precisariam ser construídas 125 avenidas Paulistas. Isso para os carros parados. Andando precisaria ainda mais. Não tem como atender essa demanda”, enfatiza Campos Filho.
Culpar, porém, o crescimento do País ou a indústria automobilística pelo caos seria o mesmo que atribuir à natureza a responsabilidade pela enchente. Pensar em restringir a venda de carros seria abraçar o fracasso. Mas o aumento e o uso da frota dão a clareza da urgência em levar a população para o transporte coletivo. “Restringir a economia não seria inteligente, mas é preciso atuar na restrição do uso de automóveis e garantir um transporte de qualidade e confiável”, afirma Guimarães.
Efeitos do trânsito
A urgência se dá pela série de consequências vindas com o transporte urbano público ineficiente. Além dos congestionamentos, que já atingem cidades de médio porte como Campinas, Guarulhos e Uberlândia, as condições desfavoráveis no trânsito levam a pelo menos quatro “deseconomias”: diminuição na produtividade, consumo excessivo de combustível, aumento na emissão de monóxido de carbono (que provoca o crescimento do efeito estufa), impactos negativos na saúde e na qualidade de vida das pessoas.
Por conta dos gastos e tempo, a região do ABC, na Grande São Paulo, já tem uma área de desindustrialização. “Os custos de logística são muito altos e as empresas estão preferindo se instalar no caminho de rodovia ou em cidades no interior. Uma transportadora que precisa cortar São Paulo, por exemplo, certamente aumentará o preço do frete”, avalia o professor Guimarães.
Rede integrada e sobre trilhos
O primeiro desafio para reverter essa situação e suprir as deficiências existentes é a integração dos governos municipais, estaduais e federal na solução do problema. “Os políticos brasileiros têm uma deficiência cultural de enxergar em curto prazo. Eles enxergam apenas por um mandato”, afirma Guimarães.
O superintendente da ANTP, Marcos Bicalho, concorda e diz ainda que é preciso que os governos corrijam a falha de anos de se privilegiar o transporte individual. “O país ficou muito tempo com investimentos à míngua. Hoje, temos um modelo suicida, que privilegia o individual”, destacou.
O segundo desafio é justamente colocar as grandes cidades sobre trilhos. Especialistas ouvidos pela reportagem do iG concordam que em metrópoles onde a demanda é superior a 40 mil passageiros por hora é preciso investir no metrô. Eles destacam que, apesar do alto custo (1 quilômetro de metrô custa aproximadamente US$ 100 milhões), esta é a principal solução.
Mas nesse aspecto, o País ainda tem muito a explorar, como mostra a comparação da malha metroviária de São Paulo com a da Cidade do México. As duas começaram a ser construídas na mesma época, cerca de 40 anos atrás. Hoje a capital paulista tem 61,3 km de extensão contra 201 km na Cidade do México.
Em 2007, o governo de São Paulo deu início ao chamado Plano de Expansão do Transporte Metropolitano, o Expansão São Paulo. Com o maior investimento em transporte público já realizado no País, serão R$ 20 bilhões até 2010, o governador José Serra, possível candidato à presidência pelo PSDB nas eleições do próximo ano, quer quadruplicar a rede sobre trilhos na capital paulista, que passaria a ter 240 km de trilhos, sendo 160 km em forma de metrô de superfície.
A integração entre as duas redes – o metrô e os trens de superfície (CPTM) – é também um avanço, já que não há um transporte eficiente sem um sistema integrado. “Não basta metrô, é preciso promover a integração dos sistemas metropolitanos. Isso melhora a qualidade do serviço disponibilizado à população, uma vez que torna a mobilidade na cidade mais viável, e tem ainda a possibilidade de baratear o preço deste transporte”, afirma Rafael Henrique Moraes Pereira, técnico do Ipea. Especialistas também apontam o micro-ônibus como solução para o sistema capilar.
Copa 2014
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Trânsito no fim de tarde em Brasília |
Neste mês de dezembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve detalhar o PAC da Copa. Com o Brasil tendo sido escolhido para sediar o evento em 2014, o governo preparou um Plano de Mobilidade Urbana para as 12 cidades que vão sediar os jogos. Segundo o ministro das Cidades, Márcio Fortes, que em conjunto com outras pastas vai decidir os recursos do PAC, serão destinados R$ 5 bilhões à área de transporte.
“Serão escolhidos os projetos que possam ficar como legado para a população”, afirmou Fortes. “Qualquer modal que seja proposto, seja VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), BRT, que são corredores exclusivos de ônibus, ou monotrilho – a operação não é só para os jogos da Copa. É também para o pós-Copa”, acrescentou.
Segundo Bicalho, o exemplo de Curitiba, que possui um sistema da década de 1970, pode ser muito eficiente nas cidades-sede menores: o BRT, uma espécie de trem articulado cujas tarifas são cobradas em estações e não dentro dos veículos, como nos ônibus convencionais.
Segundo ele, o BRT tem uma velocidade de transporte mais rápida, além de mais regularidade no atendimento. "O BRT tem um baixo custo de implantação se comparado ao metrô, por exemplo. Enquanto 1 quilômetro de metrô custa aproximadamente US$ 100 milhões, o BRT custa US$ 10 milhões", afirmou. O tempo de implantação do BRT também é inferior ao do metrô – o primeiro leva entre 24 e 36 meses para ser implantando, já o tempo do metrô é indefinido. "O de Belo Horizonte está em obra há 27 anos", ressaltou.
“A Copa e a Olimpíadas, em 2012, serão oportunidades de investimento. Uma das heranças desses eventos será a melhoria no transporte público. Vale lembrar outras cidades. Barcelona fez uma revolução urbana depois que sediou a Copa”, afirmou Guimarães.
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Trânsito de ônibus em avenida de São Paulo |
Medidas restritivas
Mas após anos de crescimento acelerado e desordenado, pensar apenas na melhoria do transporte público não resolverá o problema. “Precisamos agir simultaneamente. Será preciso ter compensações negativas na outra ponta que limite o uso de automóveis”, destacou o superintendente da ANTP.
O rodízio de veículos, implantado na cidade de São Paulo em 1997, mostrou-se ineficiente em médio prazo. A aposta dos especialistas em transporte é o pedágio urbano. “Se você fizer um plebiscito hoje, estimo que vai ganhar a restrição crescente dos automóveis, porque a maioria é prejudicada pelos carros”, afirmou o professor Cândido Malta. “O pedágio urbano é uma boa opção, pois ao mesmo tempo desestimula o uso do carro e arrecada-se dinheiro para investir no transporte coletivo”, acrescentou.
Cidades que adotaram o pedágio urbano apresentaram reduções de tráfego de 10% a 40%. Em Londres, desde que foi implantando, em 2003, o pedágio tirou do centro cerca de 60 mil carros por dia e os congestionamentos diminuíram 30%. Outro exemplo bem-sucedido é Estocolmo, na Suécia, que reduziu 15% da frota com o pedágio urbano.
Outros incentivos à desmotorização que deram certo em outros países são vistos como solução para as cidades brasileiras. Um dos exemplos citados é do de Manhattan, bairro de Nova Iorque, nos Estados Unidos, que optou pela inexistência de estacionamentos para dificultar o uso do carro. Hoje, 75% da população não utilizam automóveis e o modelo vem sendo seguido por cidades europeias, como Munique, na Alemanha. Em Bangcoc, para frear o consumo, a prefeitura aumentou em 300% o imposto para a compra de carro.
“A situação é dramática. Até Curitiba já dá sinais de piora. Por isso, além de dar um salto na qualidade do sistema de transporte público, é preciso limitar o uso excessivo de carros”, pondera o consultor da ANTP, Eduardo Vasconcellos.
"Ninguém está dizendo para as pessoas não comprarem carros, mas é preciso tirar o incentivo ao uso. Eu defendo que se crie a ‘onda vermelha’, em que o motorista será obrigado a parar constantemente no farol vermelho", brinca o professor Guimarães. "A verdade é que as cidades precisam dificultar o tráfego do motorista, criar restrições. Mas vale destacar que as restrições só fazem sentido se o governo tiver trabalhando para ter medidas concretas. Fazer isso como medida isolada não adianta", afirmou. "E quem pensar grande e resolver a questão do transporte público terá capital político para ser presidente, pois já estamos no limite e não podemos ficar o tempo todo em situação de emergência".