quarta-feira, 8 de julho de 2009

Usuários...

Eu sou um usuário
Severino Francisco

severinofrancisco.df@diariosassociados.com.br

Sei que, em Brasília, não é de bom tom manifestar esta condição, mas eu confesso: sou um usuário. Não, não é disso que vocês estão pensando. Sou um usuário do transporte público. Se morasse em Paris, Londres ou Amsterdã não haveria problema. Mas, em Brasília, por uma enorme inversão e deformação dos valores, usar o transporte público é sinônimo de humilhação, infâmia e estigmatização social. Transporte público é "coisa de pobre". O caderno Cidades publicou, na semana passada, duas matérias mostrando as consequências desta santa ignorância: a péssima qualidade do transporte público para 500 mil usuários e uma megafrota que atingirá o limite de 1,1 de carros nas ruas em junho de 2.010.

A sensação que a gente tem no início da noite no Eixo Monumental, no Eixão ou na Epia é de que São Paulo avança a cada dia para Brasília. Não sou especialista em engenharia de trânsito, mas a condição de usuário me confere uma certa autoridade. Estava conversando com uma aluna de uma faculdade numa parada de ônibus. Ela contou que não aguenta mais sofrer com a escassez de linhas, os atrasos e o desrespeito dos motoristas de ônibus. Mora em Samambaia, chega tarde e já foi assaltada seis vezes na parada ou no caminho para casa. "Fico com muito medo, pois é a minha mãe quem vai me buscar na parada. Prefiro ficar engarrafada do que ser assaltada".

Moro em um condomínio do Lago Sul e, entre sete e oito da manhã, demoro quase duas horas para chegar à Asa Norte, se quiser ir de ônibus. Algumas vezes, eles passam lotados e não param. Contudo, o que mais indigna é a atitude dos motoristas que se aproveitam do fato de haver um outro ônibus na parada e passam direto, ignorando os sinais desesperados dos usuários. Os ônibus trazem um número para reclamações, mas tudo ocorre de maneira rápida e é muito difícil anotar a placa. É um absurdo que, além de sofrerem todas as agruras cotidianas por utilizar um serviço público, os passageiros ainda tenham a missão de fiscalizar irresponsáveis remunerados. Por aí, dá para imaginar o que ocorre em outros lugares com os meus 500 mil colegas usuários.

E, como se não bastasse tudo isso, algum gênio da publicidade sugeriu a instalação de um letreiro luminoso com os dizeres: "Conte comigo!". Inúmeras vezes perdi o ônibus, pois o inconveniente sinal elétrico me impediu de ler o itinerário. Não contem comigo para humor negro.

Com a sua intuição verdadeiramente genial, Nelson Rodrigues já havia percebido na década de 1970 que o desenvolvimento humaniza as máquinas e maquiniza os homens. Por isso, a tendência dos administradores das cidades com mais qualidade de vida no planeta é no sentido de desestimular o uso do carro, melhorar o transporte público e privilegiar os lugares para os pedestres caminharem ou trafegarem de bicicletas. Se não nos livrarmos da ideia burra de que transporte público é coisa de pobres, daqui a pouco tempo seremos obrigados a lubrificar os humanos e dar bom dia para as máquinas, como sugere Nelson, o nosso profeta do óbvio.


3 comentários:

  1. Boa reflexão. Eu também sou usuário do transporte público e fico impressionado como soluções simples adotadas em várias cidades brasileiras, como o uso de terminais e integração não são implementadas em Brasília.

    Na W3, por exemplo, o número excessivo de ônibus circulando torna o trânsito caótico, a vidas dos usuários difícil e o espaço para soluções mirabolantes fértil. Ativar dois terminais (um no final da Asa Sul - já pronto e sub-utilizado - e outro no final da Asa Norte) recebendo as linhas das satélites, entorno e outras linhas "menos povoadas" e redistribuindo em ônibus que saíssem a cada minuto fazendo a linha do grande circular (um iniciando pel L2 e outro ple W3) e outras (p. ex. setor policial sul, aeroporto, lago) reduziria e organizaria o número de ônibus circulando pelas vias e facilitaria a vida das pessoas com uma solução bem simples e viável, pelo menos muito melhor (para o usuário) que o tal do veículo leve sobre rodas (acho que é esse o nome).

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  2. Concordo, Fábio. Essa integração tinha que ser completa, por tempo, de qualquer linha/modalidade para qualquer linha/modalidade. Realmente não sei qual é o motivo que impede que isso seja feito. Olhei na legislação (federal e do DF) e o que se diz que é a integração deve ser incentivada, mas não há nenhuma obrigação. Será que não deveríamos tentar encher o saco de algum deputado para que apresentem um projeto de lei do tipo?

    Mudando de assunto completamente, estou procurando algum lugar no Brasil para comprar alforjes para bicicleta tipo holandeses; aqueles bonitinhos, para usar no dia-a-dia, e não os grandes de cicloturismo. Algo como isso daqui: http://www.cometride.co.uk/store/uk_en/manden-tassen/tassen/t17072.html. Alguém tem ou sabe onde vende?

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  3. É realmente lamentável a situação do transporte coletivo em Brasília. A cidade "moderna", patrimônio da humanidade, deveria servir de exemplo para outros centros urbanos.
    Terminais de integração e corredores exclusivos de ônibus são bem mais baratos que VLTs ou VLPs.
    É bom lembrar que parte da área destinada para terminal de ônibus no final da Asa Norte foi usada para a construção do Carrefour, que agora vai virar shopping. A força do capital oprime os anseios da coletividade.

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