Índice de pedestres mortos no DF é o maior nos últimos três anos Em 2008, pouco mais de um terço das pessoas que perderam a vida nas pistas do DF eram pedestres, um aumento de 15,4% se comparado ao ano anterior
Adriana Bernardes
Publicação: 06/07/2009 08:06
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Faixa não garante segurança de pedestre
Há oito meses, a vida de uma família de São Sebastião é pontuada pelo “se”. Todos os dias, a diarista Obede da Conceição Costa, 48 anos, imagina o que teria acontecido “se” não tivesse permitido que a filha caçula dormisse na casa de uma amiga. A filha mais velha, Luciana, 16 anos, imagina “se” não teria salvado a vida da irmã Lucielen, 12, caso estivesse ao seu lado às 12h40 de 28 de outubro do ano passado, quando ela foi atropelada e morta ao atravessar a W3, na altura da 506 Norte (veja depoimento). Lucielen é uma das 157 pessoas que perderam a vida nas vias do Distrito Federal vítimas de atropelamento.
No vaivém diário de carros, pessoas, motos e bicicletas pelas ruas e calçadas das grandes cidades, o pedestre é sempre o mais vulnerável. É justamente por isso que, sob a letra fria da lei, todos os outros — ciclistas, motociclistas, motoristas e, assim, sucessivamente — são responsáveis pela segurança de quem anda a pé. Mas as estatísticas mostram o contrário. Ano passado, pouco mais de um terço dos mortos no trânsito eram pedestres. Um aumento de 15,4% se comparado com o mesmo período de 2007.
Não bastasse o aumento de casos, a participação dos pedestres no total de vítimas nas pistas foi a maior dos últimos três anos. Em 2008, 34,4% das pessoas que perderam a vida eram pedestres. O recorde foi em 1996, quando eles representaram 43,6% do total de mortos (veja arte). “Todo crescimento é preocupante. É um alerta de que alguma coisa está errada”, acredita o diretor de Educação do Trânsito do Detran, Miguel Ramirez Sosa.
Imprudências
Na correria do dia a dia, é fácil perceber imprudências de ambas partes. Pedestres que se arriscam entre os carros a menos de 50 metros de uma faixa. Motoristas que, vendo o pedestre parado na faixa, aceleram em vez de ceder a preferência. Buzinas, freadas e manobras bruscas são comuns em vários pontos do DF. Na tarde da última sexta-feira, a reportagem fez vários flagrantes na plataforma superior da Rodoviária, em frente ao Conjunto Nacional.
Irresponsabilidades à parte, sobram críticas e reclamações. O contador Joaquim Afonso da Cruz, 56 anos, afirma que não atropelou uma mulher há 15 dias por muito pouco. “Quando percebi, estava em cima de uma faixa e ela atravessando. Não tinha placa avisando que ali tinha uma faixa. Isso é um absurdo”, reclama.
O comerciante Eduardo Reis, 35, relata que, nas cidades mais afastadas do Plano Piloto, a situação é muito pior. Morador de Taguatinga, ele tem parentes em Ceilândia, Samambaia e no Gama. “Às vezes, fico em dúvida se existe faixa ou não. Se não para, atropela o pedestre. Se para, o motorista de trás bate no seu carro e você correr o risco de atropelar a pessoa do mesmo jeito. É uma loteria”, diz.
Mestre em sociologia e especialista em segurança no trânsito, Eduardo Biavati acredita que os números devem ser vistos como um alerta para as autoridades do setor. Ele sugere a reavaliação de dois aspectos que considera extremamente importantes para que Brasília continue sendo referência no respeito ao pedestre: campanhas educativas e conservação das faixas. “Já faz mais de 10 anos que Brasília fez campanha intensa de respeito à faixa. Outras gerações vieram e não se pode querer que elas tenham a mesma consciência dos que viveram naquela época”, comenta.
Tão importante quanto educar, segundo Biavati, é manter visíveis as faixas de pedestres. A pintura, a sinalização e a iluminação devem ser impecáveis para assegurar que o motorista veja a faixa. “Brasília ainda se mantém como uma das cidades mais seguras para o pedestres entre as capitais. Mas os números nos fazem lembrar que talvez seja o momento de o Detran planejar a retomada de uma campanha maciça de respeito à faixa”, sugere.
Depoimento
“A última vez que vi minha filha com vida ela estava linda. Lembro que beijei ela, abracei forte e disse: ‘Peça para sua irmã tirar uma foto sua do meu celular porque você está muito linda hoje’. Entrei em desespero quando ligaram dizendo que ela tinha sido atropelada. Ouvir do médico que minha filha estava morta... Meu Deus! Senti uma dor tão grande. Não tive forças para preparar o velório e o sepultamento. Ela foi enterrada pelo serviço social. Já tinha uma pessoa na cova e esperaram quase uma semana para colocar outro caixão por cima. Depois de quase um mês, graças a meus patrões, consegui dar um enterro digno para ela. De lá para cá, é uma luta diária para não me entregar à tristeza.”
Obede da Conceição Costa, 48 anos, diarista, mãe de Lucielen da Conceição Carlos, 12 anos, atropelada e morta em 28 de outubro de 2008
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