Os ciclistas que circulam pelas ciclofaixas dos lagos Norte e Sul correm perigo. Delongas na licitação de construção das pistas exclusivas para bicicletas interromperam as obras e deixaram exatamente as áreas onde veículos motorizados e ciclistas se encontram sem a sinalização necessária. Não fosse o bastante, falta educação e os motoristas que trafegam pelas DF-025 e DF-009 invadem o espaço reservado constantemente. O Distrito Federal conta com 42km
(1) de ciclovias prontas e outros 125km
(2) em construção, números que estão prestes a compor a maior malha cicloviária do país, mas dificuldades financeiras e burocráticas vêm atrapalhando os planos
(3) do projeto Pedala-DF — criado para promover e viabilizar a utilização das bicicletas — e expondo os ciclistas a riscos.
Na tarde da última terça-feira, a reportagem acompanhou durante três horas a movimentação pelas ciclofaixas do Lago Sul, tecnicamente chamadas de acostamento ciclável. Flagrou diversas vezes motoristas e motociclistas transitando sem cerimônia pelo espaço reservado às bicicletas, na DF-025. Um deles, inclusive, forçou um ciclista a pegar uma saída à direita para não ser atropelado. “Carrego um apito pendurado ao pescoço para avisar aos motoristas e a outros ciclistas que estou passando. Quem pedala por aqui não pode ficar se espreguiçando, porque tem muita gente invadindo a faixa”, alerta o jardineiro Ismael Santos, 30 anos.
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Ciclistas no início da ciclofaixa sinalizada no Lago Sul. Atrás deles, o acostamento não tem qualquer indicação de que se destina ao tráfego de bicicletas
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Desde que as ciclofaixas foram implantadas, o segurança Aristide Pereira, 40, se sente mais seguro para ir ao trabalho e voltar para casa de bicicleta, mas essa sensação é enganosa e pode trai-lo. Sem educação, motoristas e ciclistas não conseguirão dividir o mesmo espaço e pode ser um risco expor os bicicleteiros a esse convívio tão próximo com os veículos motorizados. “É como se não tivesse preferência para quem está de bicicleta. Os motociclistas circulam como se a faixa fosse deles e os motoristas de ônibus passam por cima se a gente não ficar atento”, reclama Edivaldo Pereira, 27, que vai de bicicleta até o serviço. Ele trabalha como motorista.
Edivaldo se refere a uma das inúmeras interrupções que as ciclofaixas do DF sofrem ao longo do caminho. A faixa some em cada entrada para áreas residenciais ou pontos de ônibus. “Em Brasília, as ciclofaixas são nulas”, critica Renato Zerbinato, um dos organizadores da Bicicletada de Brasília — evento que, todos os meses, reúne ciclistas para um passeio pelas ruas da cidade. O objetivo, além da diversão, é conscientizar todos sobre a importância de respeitar o ciclista.
Zerbinato considera a ciclofaixa a medida mais educativa para motoristas e ciclistas — “porque coloca todos na mesma condição” —, mas não da forma como foi implantada em Brasília. “Aquilo é para matar ciclista. Pintaram a faixa de qualquer jeito, não tem sinalização e, nas zonas de conflito, não há nada que chame a atenção para aquele trecho”, explica o bicicleteiro.
O secretário de Transportes do DF, Alberto Fraga, diz que as ciclofaixas exigem muito mais educação dos motoristas e dos ciclistas do que uma ciclovia. “Só construímos ciclofaixas nos lagos Sul e Norte por falta de espaço. Os moradores não abrem mão do espaço invadido”, justifica. Segundo ele, as campanhas dependem da existência de vias exclusivas para os ciclistas e vão começar assim que as obras forem concluídas. O secretário aproveitou para lembrar que, em 20 dias, começa a funcionar o esquema de aluguel de bicicletas na cidade.
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Muitos motoristas andam sem cerimônia pelo acostamento ciclável |
FiscalizaçãoPara Maurício Gonçalves, da ONG Rodas da Paz, o ideal é privilegiar as ciclovias às ciclofaixas no DF, mas nenhuma dessas adaptações seria necessária se houvesse educação no trânsito. “O mais importante é fazer campanhas e fiscalizar”, defende. “O Código de Trânsito instrui o ciclista a circular pelo acostamento ou pelo bordo direito da pista quando não há espaço exclusivo. Mas só vejo os carros fazendo isso, e sem punição”, reclama. O ideal para quem pedala é poder circular em harmonia com quem dirige. E pelas mesmas vias.
Leonardo Firme, gerente de projeto do Pedala-DF, reconhece que as ciclofaixas dos lagos estão incompletas, mas garante que todas as deficiências de sinalização serão solucionadas. Segundo ele, o GDF reduziu o ritmo das obras de ciclovias de meados de 2009 para cá, devido a uma revisão de gastos ainda motivada pela crise econômica. Além disso, alega, o clima contribuiu. “Assim que as chuvas terminarem, as obras que faltam serão concluídas e o material educativo começará a circular.”
O Departamento de Estradas de Rodagem do DF (DER-DF) foi o responsável por implantar a sinalização horizontal e vertical das ciclofaixas e chegou a restaurar os acostamentos, mas a sinalização dos pontos de conflito depende de um processo licitatório que foi questionado por uma das empresas participantes. “Falta sinalizar as regiões dos pontos de ônibus. Isso inclui a pintura das áreas com tinta vermelha e a colocação de tachões e totens”, explica Luiz Carlos Tanezini, diretor-geral do DER-DF, acrescentando que não há prazo para a conclusão das ciclofaixas.
1 - ProntasQuatro ciclovias foram construídas nos últimos dois anos. Ficam em Samambaia (7 km); na DF-005 (13 km), que liga o Varjão ao Lago Norte; no Itapoã (8 km); e entre São Sebastião e o Jardim Botânico (14 km). As de Samambaia e Itapoã já fazem integração com o transporte coletivo.
2 - Em obrasEstão em obras quatro acostamentos cicláveis (ciclofaixas) — três no Lago Sul e um no Lago Norte — e três ciclovias — na DF-079, na DF-150, na Estrada Parque Taguatinga (EPTG) e na ligação entre Ceilândia e Samambaia.
3 - Apenas 250kmCriado há dois anos, o plano para a promoção do uso de bicicletas previa a construção de 600km de ciclovias até o fim de 2010, mas a extensão das pistas reservadas a bicicletas não deve passar de 41% disso em 2010. Ainda assim, a extensão das ciclovias do DF deve ultrapassar em breve a do Rio de Janeiro, que mantém 140km de pistas reservadas a ciclistas, hoje a maior malha viária do país.
DiferençaCiclofaixaFaixa localizada ao longo de uma via de tráfego. No Distrito Federal, ciclofaixas foram instaladas em acostamentos, que passam a se chamar acostamentos cicláveis. Nessa modalidade, as bicicletas circulam do lado direito dos veículos motorizados e em mão única, separada da pista apenas por sinalização vertical e horizontal.
CicloviaA faixa reservada aos ciclistas é separada fisicamente do tráfego de automóveis e pode funcionar com via de mão e contramão. Quando acompanha as vias de tráfego motorizado, geralmente ocupa os canteiros centrais.
» Quando as bicicletas tomam as ruasUm grupo de ciclistas organiza, na última sexta-feira de cada mês, um passeio de bicicletas pelas ruas do centro de Brasília. Os ativistas se reúnem na Praça da República — rebatizada pelos ciclistas de Praça das Bicicletas em maio do ano passado — e definem o trajeto a ser seguido pelas vias da cidade naquele fim de tarde. Esse tipo de manifestação ocorre em várias cidades ao redor do mundo e tem como intenção sensibilizar os motoristas.
Os encontros mensais costumam reunir de 20 a 30 participantes, mas o último, realizado em dezembro, contou com cerca de 100 bicicleteiros — um recorde, maior inclusive que quantidade de ciclistas reunidos para a inauguração da Praça das Bicicletas. Cada bicicletada tem um tema — São João, Dia das Bruxas, etc — e o fato de aquele passeio servir também como protesto contra o escândalo na política local que veio à tona com a Operação Caixa de Pandora ajudou a reunir mais gente.
Os 100 ciclistas deixaram a praça por volta das 19h e, seguidos pela primeira vez por três pedestres, fecharam faixas do início da L2 Sul e subiram pelas entrequadras até o início da W3 Sul, onde pararam e levantaram as bicicletas acima das cabeças em frente ao shopping Pátio Brasil. Enquanto os manifestantes pedalavam, preocupando-se em deixar pelo menos uma faixa livre para os carros, a velocidade da vias diminuiu.
Os motoristas que concordavam com o protesto contra o governo e a favor das bicicletas buzinavam em apoio. Outros, que queriam simplesmente se livrar do engarramanento, chegaram a jogar os carros para cima dos ciclistas.